segunda-feira, 13 de julho de 2009

quinta-feira, 25 de junho de 2009

Dias Úteis Celso Martins

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in Actual/Expresso 20 de junho

domingo, 21 de junho de 2009


Parábolas do Corpo
Maria do Mar Fazenda

O ensaísta e tradutor João Barrento, no prefácio de Parábolas e Fragmentos de Kafka, apresenta a estrutura da parábola da seguinte maneira: “A etimologia grega do nome, que é também o da figura geométrica aberta, com dois braços, um eixo e um foco, implica que alguma coisa é colocada ao lado (para-) da outra, que o sentido é lançado (-boléin) para uma zona-outra, adjacente, inesperada, obscura.” A parábola (em torno do corpo) é como, e por impulso, numa só linha conseguimos conter o trabalho de Catarina Botelho (Lisboa, 1982) que é agora reunido na sua segunda exposição individual e apresentado num prédio sem actividade no Chiado. Seguimos o desenho da parábola proposto por Barrento para aproximar a sua forma à prática de Botelho. O enunciado (um dos braços da curva) tem sido a constante e persistente concentração num determinado trabalho – fotografar (retratar) situações da sua intimidade –, o foco de convergência é a economia inerente às suas imagens, o eixo é a própria artista, a sua vida e trabalho; finalmente, a vertente de sentido (o outro braço espelhado) é produzida pela tensão que se gera em torno de dialécticas como arte-vida, presença-ausência, corpo-vazio, luz-sombra, etc. Uma realidade concreta, a das fotografias, é agora distribuída sensivelmente por uma casa, colocadas em função das entradas de luz que descrevem. A intimidade das imagens povoa as divisões e o observador no trajecto de as descobrir é lançado para uma narrativa-outra. Os outros dois blocos de trabalho apresentados em “Dias Úteis”, a série "Modo Funcionário de Viver" e o livro de artista "Termo de identidade e residência", são também dispositivos curvos no seu processo (o registo diário de uma mesma existência) assim como na sua apresentação (uma divisão ladeada por imagens e um livro em harmónio). No texto do catálogo, a curadora da exposição, Filipa Valladares, convoca o género da still life como enquadramento a partir do qual podemos pensar o trabalho de Botelho. Acrescentaríamos que esta óptica não se circunscreve apenas às naturezas mortas (fotografias sem pessoas), que nesta exposição se assumem de modo destemido, mas a toda a sua pesquisa visual. Uma toalha sobre a cadeira é tão ou mais corpo do que os corpos que estão em algumas imagens, ainda que ausentes, ou melhor, é sempre sobre o registo da memória do corpo que a artista se parece concentrar; produzindo “imagens do pensamento”.

in L+Arte junho

terça-feira, 9 de junho de 2009

terça-feira, 26 de maio de 2009

Still life

Filipa Valladares

Existe na expressão Still Life uma contradição intrínseca. Still refere-se a tudo o que está parado, sem movimento, ruído ou acção, que está fixo e que permanece, referindo-se no limite à morte. Por outro lado life refere-se ao estado, propriedade ou qualidade do que está vivo, à vitalidade e ao tempo da vida. Apesar destas duas expressões serem aparentemente o oposto uma da outra, elas coexistem desde há séculos, na expressão inglesa Still life, anunciando-a como uma Vida Parada, fixa. Já a expressão Natureza Morta (adoptada por diversas línguas latinas), mata à partida a natureza, e em contraponto, a versão alemã Stilleben, refere-se a uma Natureza Silenciosa.

Diz-se de uma imagem que é retirada de um filme ser um still, um momento parado do mesmo. Esta qualidade de parar e fixar é intrínseca à fotografia enquanto processo e à forma como gera nas suas imagens, uma paragem do tempo.

É neste limbo entre still e life, entre esta paragem silenciosa e a vida, que podemos incluir as fotografias desta exposição. Não sendo obrigatoriamente naturezas mortas, são imagens fixas no tempo, captadas num momento que já passou, mas ainda relativas à vida que continua.

Catarina Botelho (Lisboa, 1981), apresenta nesta segunda exposição individual, três séries de trabalhos que se reúnem sob o título de Dias Úteis.

Na série s/título (dias úteis) as suas imagens representam pessoas que surgem sozinhas, dentro de um espaço onde participam em tarefas tão comuns como dormir, tomar banho, ler, preparar uma refeição, ou fumar. A autora é parte integrante desta situação, está lá. Mas entre a fotógrafa e o fotografado, o olhar não pode estar presente, pois perturba, invade. Não existe um olhar sobre o outro, naquele momento são apenas um, numa partilha de uma acção. No seu caso, vida e trabalho estão juntos e são inseparáveis, o privado e o público funcionam em paralelo, pois nem o eu, nem o trabalho existem sem o outro. Esse é o seu processo de trabalho e apesar de ser parte integrante desse momento, não o altera, apenas o enquadra e regista. É um trabalho sóbrio, sem truques, nem encenações. Nada aqui é construído, não documenta, nem retrata, as pessoas apenas estão e são. Há uma tranquilidade no tempo destas imagens, a vida parece estar em suspensão, na informalidade da atitude destes corpos. E mesmo nos olhares que evitam cruzar-se com o nosso, há uma poesia nos gestos e nos pormenores retratados.

As casas são também uma presença constante nos trabalhos de Catarina Botelho, é no seu interior que praticamente tudo acontece. Elas acolhem as pessoas e os objectos, e só pontualmente há outros espaços como cafés, hotéis ou cenas de exterior, mas quase sempre como uma extensão da casa. A casa é o lugar de convivência, onde permanecemos, é o espaço vivido diariamente.

Apesar das suas imagens continuarem na sua maioria a representar pessoas, surge agora também uma aproximação particular aos objectos. Eles sempre estiveram lá, no plano de fundo, mas agora autonomizam-se ganhando um espaço próprio nalgumas imagens. Há ainda outros objectos como mesas, camas ou sofás, que criam horizontes estáveis de relação com os corpos que com eles convivem, ou aos quais se abandonam.

Fox Talbot assinalou ainda no séc. XIX, a especial capacidade da câmara para registar os “estragos do mundo”, referindo-se ao que ocorre a edifícios e monumentos. Desta forma a fotografia sempre comentou a perda, a mudança e a destruição de objectos ou pessoas, pois perdura no tempo, para além do que revela.

A Natureza Morta é normalmente descrita como um género que representa objectos inanimados, sejam eles naturais ou construídos, tradicionalmente objectos ligados à vida das cozinhas ou de uso em interior doméstico. Há associado às naturezas mortas, um processo de desgaste e desaparecimento, que segue o ritmo lento da existência material. Também os objectos se transformam, os naturais apodrecem e os construídos vão-se transformando pelo desgaste material e pelo uso que lhes é dado. Podemos identificar ao longo do séc. XX, uma série de objectos que pelos vestígios da degradação causada na sua relação com o homem, se foram associando às naturezas mortas. É nesta tradição de objectos “contemporâneos” que algumas imagens de Catarina Botelho se inserem, desde o quadro clássico de alimentos e material de cozinha sobre a mesa, até uma almofada “amassada”. Incluem-se nesta categoria, por também eles mostrarem a passagem do tempo, e essa erosão lenta que causamos em quase tudo o que tocamos. Estas imagens descrevem-nos numa quietude que lhes é inerente.

Na série Modo Funcionário de Viver, vemos em cada imagem, uma almofada sobre uma cama encostada à parede, em variações de branco, num enquadramento que não nos dá mais informação ou contexto. Há um silêncio nestas imagens, que homenageia a solidão. Já não é a ausência de um corpo que sobressai, mas o próprio objecto que ganha uma nova presença física, não apenas como almofada, mas também pela sua corporalidade transformada a cada manhã, sob uma luz lateral, que varia nos diferentes dias. Um objecto privado é aqui tornado público e ganha para além do seu contexto de uso pessoal um peso quase escultórico. Podemos intuir pela repetição nestas sete fotografias, uma sequência temporal diária, da rotina dia/noite, ao longo de uma semana.

Termo de identidade e residência, é uma série em livro, que apresenta um conjunto de auto-retratos. Imagens feitas de uma forma sistemática, como se de provas de vida se tratassem. Da mesma forma que os seus modelos nunca nos olham, também estes auto-retratos, apesar de frontais, não nos revelam o seu olhar. Nestas imagens feitas ao espelho, em espaços aparentemente domésticos, é a câmara que nos olha de frente. Composições centradas, em que a figura aparece de pé ou sentada, segurando a câmara abaixo do nível dos olhos, numa frontalidade que se mede com o corpo, mas não com o rosto. Retratos que não pretendem definir uma identidade, apenas registar a existência de quem está ali. Há uma tensão nestas imagens que perturba pela negação do olhar, a expectativa de uma revelação, que não se dá.

A exposição desenvolve-se ao longo de três pisos, em várias divisões diferentes, obrigando o espectador a fazer um percurso através de um espaço desocupado de um prédio pombalino. Nestas imagens a luz entra por onde pode, sejam janelas ou lâmpadas, sol ou electricidade, e vai banhando os objectos e as pessoas em diferentes tons de aproximação e calor que regem também a montagem da exposição, num paralelismo com a iluminação existente no espaço.

É neste diálogo entre silêncio e vida, que se unem estas três séries. No facto de os objectos ali estarem como memória, fazendo referência às pessoas, às casas e às vivências que os foram transformando. Imagens, que nos remetem para os dias de partilha e convivência quotidiana – Dias Úteis.





















1 s/titulo (marta no jardim) 2008, 92x126 cm
2 s/titulo (luisa a dormir) 2008, 92x126 cm
3 s/titulo (mesa da cozinha) 2008, 53x80 cm



domingo, 17 de maio de 2009

CADA CASA
José Adrião

Existe algo em comum nos edifícios da Baixa Pombalina. Como consequência de um Plano, as suas características tipológicas - quer exteriores, quer interiores - apresentam uma grande homogeneidade. As fachadas são idênticas, com ligeiras variações que se relacionam com a especificidade de cada caso, e os interiores têm uma compartimentação perfeitamente reconhecível em praticamente todos os edifícios. Caixa de escadas amplas, vãos de porta com bandeira superior, divisões grandes e semelhantes na sua dimensão, pés direitos altos que permitem a entrada de luz até aos espaços mais recônditos.
Outra particularidade é não existir na sua compartimentação uma hierarquia muito definida. Passa-se de sala para sala, atravessando espaços indiferenciados no seu uso. Depois, e por isso mesmo, estes espaços podem ser muita coisa.
Esta capacidade confere aos edifícios da Baixa Pombalina uma enorme flexibilidade que os torna especialmente dotados para atravessar no tempo diferentes tipos de ocupação adaptando-se a distintas necessidades de uso.
Antes, este edifício já teve casas, escritórios, lojas. Muitas actividades e possíveis narrativas já se desenrolaram no seu interior ao longo de mais ou menos dois séculos.
Agora vazios, ou quase vazios, os diferentes níveis do edifício pressentem-se como espaços intermédios. As imagens na parede, em diferentes condições de luz, revelam-nos acções familiares. Poderiam ter acontecido aqui. São momentos privados, como quase todos dentro de casa e como nas casas que já houve aqui.
Onde queremos a cama? Onde queremos a sala de estar? Onde gostaríamos de comer ou cozinhar?
Para além destes espaços poderem conter diferentes actividades como habitar ou trabalhar, existe também a possibilidade de eleger - de acordo com as circunstâncias - os locais especifícos para o desenrolar de cada acção relacionada com o habitar. A equivalência, ou a não hierarquia, entre os compartimentos permite que a casa se torne num lugar onde todos os espaços podem ser híbridos.
Aqui podem já não existir lugares específicos e pré-determinados para cada acção. O quarto, a sala de jantar, a sala de estar, deixam de ser únicos e definitivos.
E cada lugar, e cada casa, torna-se naquilo que cada um quiser fazer nele.

terça-feira, 12 de maio de 2009